terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ódio guardado

E ela ainda na janela, esperando o homem que não chega. Lua cheia azulando a rua vazia, briga de gato, uma ou duas janelas acesas – notívagos. De camisola, o vento frio da madrugada. No fim da rua o guarda do apito vindo cada vez mais perto. Fechou a janela, ligou a TV, um filme velho.

Não consegue dormir sem ele. Magra, dores de dente, o cabelo desgrenhado. Caipora, fuma o tempo todo. Sem ânimo, arrasta os pés descalços pela sala. Dia inteiro pintando as unhas do pé, batom nos lábios, penteando o cabelo. Noite, desfaz tudo. Nunca chega o homem. Quem sabe de madrugada?

Desliga a televisão e deambula pelos cômodos. Na pia a garrafa de cana, vazia desde ontem. Sem dinheiro pra comprar mais. No quarto, o menino dorme. Todo dia manda o desgraçado pra rua, “como parece com o pai, meu Deus, que eu fiz pra merecer?” Ele nem se mexe, baba no lençol enrolado embaixo da cabeça. Ela respira fundo, ódio guardado remoendo as entranhas, fazendo pouco dos ossos. Força pra não gritar. Caminha pelo vazio da casa, vai até o seu quarto, deita na cama e morde o travesseiro.

2 comentários:

Sempre querendo saber disse...

Esperar...
Epserar o que nunca mais vai vir...
É ruim isso né?E ela espera...

Fillipe Jardim disse...

Horrível, Luciana, horrível. O pior é o sentimento comendo tudo por dentro. Obrigado pela leitura e comentário!