domingo, 11 de julho de 2010

Jesus

O Caracol foto de rafael nolli

1

Senhor, cantá-lo exige prudência.

Senhor, não: Jesus! Prudência...


Mulheres tremem ao imaginá-lo

e homens se contorcem de medo –


se enfurecem por ti. Por ti são

capazes de tudo, com fúria.


Não os quero diante de minha casa,

ou sobre mim, com suas tochas.


Prudência para não despertá-los,

ajoelhados na primeira fila –


bebendo a palavra suja de kolynos,

encharcada de vinho barato.


2

Estavam equivocados sobre a sua palavra.

Sequer leram os livros. Ouviram


de um profissional, ingênuo do latim:

um animal diante do arado


sendo chicoteado por outro animal:

numa estrada reta, sem cruzamentos.


3

E que não fosse por outro animal.

A palavra em si já trás o equívoco:


abades que excederam no vinho e

se distraíram com ilustrações proibidas;


poetas pequenos, insignificantes,

maus tradutores a serviço do estado.


Para cada povo a palavra tem um peso.

Cada uma, sua carga – nada nos diz algumas:


estão na boca diariamente, já sem sabor,

como chiclete repetidamente mastigado.


Algumas não entendemos.

Outras nossa compreensão estraga.


Estão feridas, cobertas de pus,

muitas sequer foram germinadas.


O equívoco (talvez!) resida no fato de

nenhuma ter saído de sua boca.


Gritam, na rua, em seu nome,

algumas que você sequer conheceu.


4

Quando criança, seu nome pichado no muro –

em neon reluzente, gritando na face das igrejas.


Quando criança, sua marca no quadro-negro,

em adesivos no vidro traseiro dos carros.


Quando criança, sua palavra no rádio,

no pára-choque de pesados caminhões.


Quando criança, sua imagem no quadro:

no quarto de minha avó, um pouco vesgo.


Lembrava um dos generais de Hitler

ou um modelo das propagandas de cigarro.


4

Um homem melhor do que eu,

maior que todos nós juntos.


(O que não é grande coisa,

nem fato de extraordinária façanha)


Um homem, ouso dizer. Apenas isso.

Prudência, o poema exige. E me calo.


*

Um comentário:

Larissa Marques - LM@rq disse...

sabe como admiro seu trabalho?
essa sua abordagem niilista muito me afeta!
bjk!